Ouça essa matéria:
Ética organizacional e sustentabilidade em rota (Foto: medium.com/@melyssamodesto)

A origem da palavra Ética tem origem no conceito grego Ethos, que quer dizer o modo de ser, o caráter, o conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social. Ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social.


Os romanos traduziram o Ethos grego, para o latim Mos (ou no plural Mores), traduzido, de forma incompleta, como Costume, de onde vem a palavra Moral. A locução latina Mos Maiorum ou seu equivalente no plural, Mores Maiorum (“costume dos ancestrais”) é o código não escrito de que os antigos romanos derivaram suas normas sociais. 

Em termos práticos, o termo Sustentabilidade significa suprir as necessidades do presente sem afetar as gerações futuras. Na origem, Sustentabilidade remete ao termo “sustentável”, derivado do latim Sustentare, que significa sustentar, defender, favorecer, apoiar, conservar e/ou cuidar.

Hodiernamente, o conceito de Ética está intimamente ligado ao conceito de Sustentabilidade, referindo-se à uma Ética Planetária, sugerindo a noção de uma nova cosmologia, cidadania e consciência

Transdisciplinar, desenvolvimento humano e educação para qualidade de vida humana e do meio ambiente.

Por exemplo, para o teólogo Leonardo Boff (um dos primeiros intelectuais a utilizar o binômio Ética e Sustentabilidade), a Ética surge quando o outro emerge diante de nós. O outro pode ser a pessoa mesma que se volta sobre si, analisa a consciência, capta os apelos que nela se manifestam (ódio, compaixão, solidariedade, vontade de dominação ou de cooperação, sentido de responsabilidade) e se dá conta de seus atos e das conseqüências que deles derivam.[1]

O nosso autor diz ainda que, para se tornar um ser ético, “a pessoa deve assumir a sua responsabilidade ou demitir-se dela, dando-se conta de seus atos e de suas consequências”. Assim, para ele, sem passar pelo outro, toda ética é antiética.[2]

Nesse raciocínio, a ética predominante, individualista e irresponsável, ameaça o futuro. Sendo que a “lei suprema do universo é a da interdependência de todos com todos”[3], e a cooperação entre os indivíduos e o ambiente pode originar uma nova Ética de  Convivência,

na qual o ser humano passaria a enxergar o outro e dar valor a suas ações.[4]

Conforme o binômio Ética e Sustentabilidade foi se ampliando e obtendo espaço nas organizações, ficou evidente que não só os descartes indevidos de resíduos sólidos urbanos e todos os moldes que visam apenas o lucro impactam o meio ambiente e a sociedade, mas, também, o modelo de gestão praticado pelos gestores organizacionais, tornou-se crítico nas relações com o outro.

É compreensível que a questão da degradação ambiental, social e relacional não seja reversível de forma imediata, porém, com o aprofundamento destas reflexões, passou-se a valorizar as iniciativas sobre Ética e Sustentabilidade.

A temática da Ética, de natureza filosófica, guarda um certo grau de dubiedade: por um lado exigimos postura ética de pessoas e instituições em posições sociais que consideramos superiores; por outro, todavia, nem sempre nos damos conta de que talvez tenhamos dificuldades para agir com o mesmo rigor ético que exigimos dos outros.[5]

Destarte, quando a Ética é relacionada ao “eu”, observa-se as exigências mais para a satisfação dos direitos, do que para os deveres.

Tal relação é invertida, quando a Ética é aplicada “ao outro”, observando-se as exigências mais para os deveres do que para os direitos.

Ao ingressar numa empresa, por exemplo, o colaborador, em qualquer nível hierárquico, deve conhecer e seguir diversas normas, tanto as normas internas, normalmente apresentadas sob a forma de um Código de Ética da empresa, quanto as normas da categoria profissional a que o colaborador está circunscrito, as quais regulam a sua conduta.

Todavia, o que se observa na prática organizacional é que o Código de Ética Organizacional, por si só, não faz com que um funcionário se comporte de determinada maneira, nem mesmo o auxilia a internalizar tanto as normas internas, quanto as normas de sua categoria profissional.

O Código de Ética Organizacional não deveria ser um apanhado de regulamentos para uma conduta moral do colaborador, mas, sim, o reflexo da conduta de vida e prática da alta administração, traduzido no modelo da imagem de liderança, o qual deve reverberar nos demais colaboradores, trazendo resultados positivos tanto para a cultura

organizacional como um todo, quanto para a conduta ética do grupo em suas relações transdisciplinares.[6]

Nesse sentido, a alta direção e, mais especificamente, o líder principal, tem responsabilidades, acrescidas na medida em que lhe compete, entre outras:

  1. Dar o exemplo;
  2. Promover uma conduta ética vertical e horizontal;
  3. Tomar decisões relativamente a questões mais complexas e difíceis;
  4. Orientar e apoiar a sua equipe;
  5. Filtrar as interferências e idiossincrasias externas.

Para lograr êxito em sua missão de ser o maior representante da Ética Organizacional, o líder principal de qualquer empresa deve zelar pela integridade e integração organizacional, não anulando o potencial das diferenças, envidando todos os esforços para garantir a identidade e coesão, respeitando as diferenças e diversidades existentes na organização.

Por exemplo, qual deveria ser a atitude de um líder diante de pessoas estranhas à organização, cujas abordagens e interesses conflitassem

com a Governança Corporativa, Compliance e o Código de Ética Organizacional?

Seria possível a um líder organizacional o agasalhamento de qualquer matéria extemporânea enviada por terceiros, ainda não colocada em

pauta para apreciação dos pares no Conselho de Administração? Em que medida tal atitude comprometeria o resguardo aos sigilos, a vedação ao anonimato e a moralidade pública, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas?

Além de casuísmo, o agasalhamento de matéria eivada de auto-interesse, que traz vantagens exclusivamente para si mesmo, beira ao denuncismo irresponsável, não condizente com a Ética Organizacional, com a Governança Institucional, nem mesmo com uma República Democrática de Direito.

O auto-interesse não é sinônimo de “egoísmo”, nem mesmo quem pratica tem, necessariamente, uma visão de “eu mais, você menos” ou “eu ganho, você perde”. O auto-interesse é o interesse em si próprio, que busca os próprios ganhos, sendo um desejo legítimo.

O auto-interesse não está vinculado à perda do outro. Pode existir o “ganha-ganha” mesmo com auto-interesse. Nesse sentido, não haveria sabotagem ou métodos destruidores, não sendo o auto-interesse imoral, na busca dos próprios objetivos.

O conceito de “auto-interesse” foi popularizado por Adam Smith (1723-1790),  filósofo e economista britânico nascido na Escócia, também considerado como o mais importante teórico do Liberalismo Econômico.

De acordo com o pai da economia moderna, “o homem tem necessidade quase constante de ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima (sic) [autointeresse]  dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles

fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa. É isto o que faz toda pessoa que propõe um negócio a outra. Dê-me aquilo que eu quero, e você terá isto aqui, que você quer — esse é o significado de qualquer oferta desse tipo; e é dessa forma que obtemos uns dos outros a grande maioria dos serviços de que necessitamos.

Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima (sic) [autointeresse], e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles”.[7]

A sociedade, como um todo, faz avanços porque os indivíduos maximizam os próprios objetivos (auto-interesse). Conhecer esses objetivos individuais, particularmente do seu adversário, é a essência do Pensamento Estratégico.

No entrementes, para que a Ética seja estabelecida como fundamento do Pensamento Estratégico Organizacional, o líder maior deve agir com imparcialidades. Suas preferências devem ser deixadas de lado na hora da tomada de decisão, observando os fatos e as informações disponíveis e, com base nelas, e não em suas preferências, tomar a decisão.

Há uma troca simbólica[8] no relacionamento entre as empresas, os colaboradores, os stakeholders e a sociedade em que estão inseridas, as quais são asseguradas por termos como Compliance, Códigos de Conduta, Regulamentos, Responsabilidade Socioambiental, Política Institucional, Contratos, Termo de Confidencialidade, etc., cabendo à liderança dar o exemplo e zelar pela ética nesses relacionamentos.

O ser humano é um ser de hábitos! Para Bourdieu, o Habitus está mais relacionado com a maneira de como os agentes se comportam dentro de determinadas estruturas. A noção de habitus está intimamente ligada com o processo de socialização.[9]

É imprescindível que o líder responda com assertividade aos desafios desse processo de socialização, a fim de alcançar vantagens competitivas sobre seus concorrentes, fazendo com que a empresa como um todo faça parte desse desafio, todavia, de forma sustentável.

Para que a Ética Organizacional seja Sustentável, torna-se imperioso que o líder aja sem parcialidades, levando em consideração, na tomada de decisão, as ações e atitudes que possam fazer a diferença nos ambientes interno e externo, observando os lados claramente, aproximando-se ao máximo dos fatos ou da “verdade”.

Concluindo, o líder maior deve apresentar capacidade de legitimar a sua posição dominante frente aos demais agentes, internos e externos, impondo e reforçando seu valor, gerenciando o capital simbólico de sua

organização como valor social a ser utilizado em um nível coletivo e estruturado e numa relação dialética entre o indivíduo, a organização e a sociedade.


[1] BOFF, Leonardo.Do Iceberg a Arca de Noé – O Nascimento de uma Ética Planetária. 1ª ed. Rio de Janeiro – RJ: Editora Garamond, 2002.

[2] Ibidem.

[3] CHALITA, Gabriel. Os dez mandamentos da ética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.

[4] CAPRA, Fritjof. Ponto de Mutação. 6ª ed. Tradução Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 1988.

[5] ENRIQUEZ, Eugène. Os desafios éticos nas organizações modernas. Revista de Administração de Empresas. V. 37, n. 2, p. 6-17, abril/junho de 1997. 

[6] OLIVEIRA, Ricardo Justo. Gestão Transdisciplinar. In, https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/82747. Acesso em 15 de outubro de 2021.

[7] SMITH, Adam. Uma Investigação sobre a causa e a natureza da riqueza das nações. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1996, pg. 74.

[8] BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

[9] ______________. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.