O Diário Oficial do Poder Judiciário nº 1847 de 14/02/2017, traz publicada decisão do Desembargador Jefferson Alves de Assis do Tribunal de Justiça da Bahia no processo nº 0024619-23.2016.8.05.0000, no qual o ex-prefeito Kenoel Viana Cerqueira foi denunciado no dia 16/12/2016, com juntada de documentos, sendo-lhe imputados diversos delitos, entre os quais:
– Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº. 201/1967: São crimes de responsabilidade do Prefeito Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
– Art. 1º da Lei nº. 9.613/98: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Consta no processo que “teria o senhor Kenoel Viana Cerqueira, na condição de Alcaide [Prefeito], aliado-se aos demais acusados e, em suma, praticado, supostamente, as seguintes condutas: celebrado contratos administrativos fraudulentos em benefício próprio; ocultado e dissimulado a origem dos valores obtidos através de desvios criminosos, convertendo-os em ativos lícitos; e realizado uma desapropriação viciada, o que acarretou na obtenção de R$ 265.339,40 (duzentos e sessenta e cinco mil, trezentos e trinta e nove reais e quarenta centavos), pertencente ao Município de Guaratinga/BA.
Por ter deixado de exercer a função de prefeito, o acusado Kenoel Viana Cerqueira perdeu o foro privilegiado, e o Desembargador do Tribunal de Justiça determinou a “remessa imediata dos autos ao Juízo de Primeiro Grau (Vara Criminal da Comarca de Guaratinga/BA), por ser esta a autoridade atualmente competente para promover o andamento e o posterior julgamento da presente ação”.
O FURO31 tentou entrar em contato com Kenoel Viana para comentar o caso, mas nossa produção não teve nenhum retorno. Confira o documento na íntegra:
Diário n. 1847 de 14 de Fevereiro de 2017
DECISÃO
Classe : Ação Penal – Procedimento Ordinário n.º 0024619-23.2016.8.05.0000
Foro de Origem : Salvador
Órgão : Segunda Câmara Criminal
Relator(a) : Des. Jefferson Alves de Assis
Autor : Mistério Público do Estado da Bahia
Promotor : José Emmanuel A. Lemos
Proc. Geral : Geder Luiz Rocha Gomes
Réu : Kenoel Viana Cerqueira, Prefeito Municipal de Guaratinga
Réu : Gilberto Alves de Almeida,
Réu : Marilene Ferreira de Andrade
Réu : Gilberto Miranda das Neves
Réu : Carmen Lúcia de Jesus Rocha
Assunto : Improbidade Administrativa
Vistos, etc.
A partir do exame detido dos autos, observo que se trata de Ação Penal Originária, apresentada pelo Ministério Público do Estado da Bahia, através de denúncia contida às fls. 02/22, contra Kenoel Viana Cerqueira, à época, Prefeito Municipal de Guaratinga/BA e, por arrastamento em face do princípio do processo simultâneo, contra Gilberto Alves de Almeida, Geraldo Alves de Almeida Filho, Marilene Ferreira de Andrade, Gilberto Miranda das Neves e Carmem Lúcia de Jesus Rocha.
Ao Denunciado Kenoel Viana Cerqueira foram imputados os delitos tipificados no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº. 201/1967 e art. 1º da Lei nº. 9.613/98, que assim dispõem:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Isto sucede porque teria o Sr. Kenoel Viana Cerqueira, na condição de Alcaide, aliado-se aos demais Acusados e, em suma, praticado, supostamente, as seguintes condutas: celebrado contratos administrativos fraudulentos em benefício próprio; ocultado e dissimulado a origem dos valores obtidos através de desvios criminosos, convertendo-os em ativos lícitos; e realizado uma desapropriação viciada, o que acarretou na obtenção de R$ 265.339,40 (duzentos e sessenta e cinco mil, trezentos e trinta e nove reais e quarenta centavos), pertencente ao Município deGuaratinga/BA.
A denúncia foi protocolada em 16 de dezembro de 2016, com os documentos de subsídio de fls. 48/502.
O processo foi para mim distribuído, por sorteio, em 19 de dezembro de 2016, conforme se infere do Termo contido à fl. 504.
Na mesma data, remeti os autos, prontamente, à Douta Procuradoria de Justiça para apreciação.
Em 18 de janeiro de 2017, o Órgão Ministerial devolveu os fólios com a manifestação de fls. 506/508, requerendo que esta Relatoria declinasse da competência, para que o feito passa-se a ser instruído e julgado pelo Juízo da Comarca de Guaratinga/BA, em função da perda da prerrogativa funcional do Acusado, Kenoel Viana Cerqueira, tendo em vista que seu mandato de Prefeito Municipal se encerrou em 31 de dezembro de 2016.
Diante disso, recebi os autos conclusos em 24 de janeiro de 2017.
Com base na análise minudente do caderno processual, observo assistir razão à Douta Procuradoria de Justiça.
Decerto, a presente ação não pode mais prosseguir perante este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em virtude do Acusado, Kenoel Viana Cerqueira, não exercer mais a função pública de Prefeito Municipal.
Com efeito, em consulta ao site do Tribunal Superior Eleitoral, constata-se que quem logrou êxito nas eleições de 2016 e, portanto, exerce o mandato de Prefeito do Município de Guarantiga/BA, referente ao quadriênio 2017-2020, é a Sra. Cristiane Pinto Rosa.
Desse modo, resta patente a perda da prerrogativa de função do Acusado Kenoel Viana Cerqueira, que, antes, justificava a tramitação deste feito nesta Corte Estadual de Justiça, com esteio no art. 98, I, do RITJBA, que assim prescreve:
Art. 98 – Compete às Câmaras Criminais processar e julgar:
I – os Prefeitos Municipais nos crimes comuns e de responsabilidade;
II – agravo interno contra decisão do Relator; (alterado conforme emenda regimental n. 04/2016, de 16 de março de 2016, dje 17/03/2016).
III – o mandado de segurança contra ato ou decisão de Juiz de Direito, quando se tratar de matéria criminal;
IV – as revisões criminais contra sentença de primeiro grau.
(grifo nosso).
Sobre o tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que a competência por prerrogativa de função se encerra com o término do exercício funcional que a ensejou, conforme se infere dos seguintes precedentes, colacionados a título exemplificativo, in litteris:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES. PREFEITO MUNICIPAL.TÉRMINO DO MANDATO. AUSÊNCIA DE PRERROGATIVA DE FORO. COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O recorrente sustenta que, mesmo com o fim do mandado de prefeito municipal, não haveria perda de competência do Tribunal de Justiça para o processamento do feito, no qual se lhe imputa a prática dos delitos tipificados no art. 1º, II e XIII, do Decreto-lei 201/67 e art. 89, parágrafo único, da Lei 8.666/93 c/c arts. 29 e 69 do Código Penal.
2. A competência por prerrogativa de função se encerra com o término do exercício funcional que a justifica. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 580.794/BA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016)
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO.
1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, buscando dar efetividade às normas previstas na Constituição Federal e na Lei 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que envolve a tutela do direito de locomoção.
2. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de habeas corpus de ofício.
QUADRILHA, PECULATO-DESVIO E FRAUDE À LICITAÇÃO (ARTIGOS 288 E 312 DO CÓDIGO PENAL, E 90 DA LEI 8.666/1993). WRIT NÃO CONHECIDO NA ORIGEM. AVENTADA REITERAÇÃO DE PEDIDO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO PROFERIDA EM MANDAMUS REFERENTE A OUTRA AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. Ao contrário do que decidido pela autoridade apontada como coatora, o habeas corpus impetrado na origem não caracteriza reiteração de pedido, já que se refere à ação penal distinta da que foi objeto do mandamus deliberado anteriormente.
2. Tratando-se de tese já julgada pelo Tribunal de origem e também por esta Corte Superior de Justiça nos autos do HC n. 71.362/MA, não se constata qualquer óbice ao seu enfrentamento.
CORRÉU DETENTOR DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CONTINÊNCIA.
NECESSIDADE DE JULGAMENTO DE TODOS OS ACUSADOS PERANTE O MESMO JUÍZO.
1. Tratando-se de processo criminal no qual se atribui a todos os agentes os mesmos delitos, depara-se com nítida hipótese de continência, nos termos do artigo 77, inciso I, do Código de Processo Penal, circunstância que, por si só, impede o julgamento dos fatos por juízos distintos com relação a determinados réus, já que não se verifica nenhuma das exceções previstas no artigo 79 do citado Estatuto.
2. Constatando que um dos réus, à época do recebimento da denúncia, ocupava cargo detentor de foro por prerrogativa, incidindo, portanto, em um só caso, duas regras de fixação de competência distintas, deve prevalecer aquela estabelecida em norma de maior hierarquia, nos termos do artigo 78, inciso III, do Código de Processo Penal, razão pela qual, na hipótese, impõe-se que os corréus não detentores do foro por prerrogativa de função sejam processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado, por força da continência verificada.
3. A corroborar tal compreensão, é imperioso frisar que, ao julgar questão de ordem no Inquérito 2245/MG, o Supremo Tribunal Federal entendeu, consoante o voto médio prolatado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que a simples pluralidade de réus não enseja o desmembramento dos processos em que haja autoridade detentora de foro por prerrogativa de função, impondo-se o julgamento unitário dos acusados perante a jurisdição de maior hierarquia.
4. Consequentemente, havendo na ação penal em exame corréu com foro por prerrogativa, todos os demais acusados, inclusive o paciente, devem ser processados perante o mesmo juízo, impondo-se, por conseguinte, verificar a quem compete o julgamento do feito.
AFASTAMENTO CAUTELAR DE CORRÉU DO CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO.
DECISÕES PROFERIDAS EM AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE RETIRAR DO DETENTOR DA PRERROGATIVA DE FORO O DIREITO QUE LHE FOI CONFERIDO PELA CONSTITUIÇÃO SEM QUE OCORRA A PERDA DEFINITIVA DO CARGO. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA PROCESSAR E JULGAR OS ACUSADOS ENQUANTO O CORRÉU SUJEITO A FORO DE HIERARQUIA SUPERIOR ESTAVA SIMPLESMENTE AFASTADO DE SUAS FUNÇÕES.
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DA ADI 2797/DF. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. Embora o artigo 70 da Constituição do Estado do Maranhão disponha que “os Secretários de Estado ou ocupantes de cargo equivalente, nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade, serão julgados pelo Tribunal de Justiça”, questiona-se se o mencionado dispositivo constitucional se aplica às autoridades que estejam afastadas de suas funções.
2. Após o julgamento da ADI 2797/DF, não se admite a manutenção da prerrogativa de foro pelos detentores de cargos ou mandatos que deixarem de exercer a função, entendimento que não pode ser aplicado àqueles que são simplesmente afastados provisoriamente de suas funções por força de decisão judicial não definitiva.
3. Isso porque apenas a perda definitiva do cargo ou função tem o condão de retirar da autoridade os direitos que lhe são conferidos por força de norma constitucional, não se podendo admitir que uma decisão de caráter liminar possa suprimir garantias que são inerentes ao cargo por ele ocupado, notadamente porque ao ser afastado permanece como seu titular, apenas não exercendo as respectivas funções por determinado lapso temporal.
4. No caso em apreço, estando o paciente apenas afastado de suas funções à época em que tramitava a ação penal, impossível aplicar- se ao caso a orientação sufragada pela Suprema Corte no julgamento da ADI 2797/DF, pois para que a autoridade detentora do foro por prerrogativa de função deixe de ostentá-lo, é preciso, como visto, que haja a perda definitiva do cargo.
5. Assim, tem-se que a denúncia formulada contra o paciente e demais corréus foi recebida por juízo absolutamente incompetente, já que cabia ao Tribunal de Justiça, e não a um dos Juízes das Varas Criminais da comarca, processar e julgar o feito, no qual figurava autoridade com foro privilegiado previsto na Constituição do Estado.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca de São Luís/MA, até o momento no qual o corréu deixou de ocupar o cargo detentor de foro por prerrogativa de função, declarando-se nulos os atos praticados pelo juízo incompetente.
(HC 232.309/MA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 14/10/2013)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PECULATO. QUADRILHA. PRESCRIÇÃO. INQUÉRITO. COMPETÊNCIA DO STJ. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. TÉRMINO DO MANDATO. ART. 84 DO CPP. INCONSTITUCIONAL. INQUÉRITO. CONTRADITÓRIO. INEXIGIBILIDADE. AÇÃO PENAL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE. INAPLICÁVEL. DENÚNCIA RECEBIDA EM PARTE.
1. É de 08 (oito) anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação ao crime de quadrilha, prazo esse que, no caso, já transcorreu.
2. Cessado o exercício da função pública correspondente, encerra-se a competência de foro por prerrogativa de função. O STF, no julgamento da ADI 2797/DF, declarou inconstitucional a Lei nº 10.628/02, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do CPP Precedentes.
3. Pela sua natureza inquisitorial, a fase do inquérito não está sujeita aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Precedentes.
4. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública, podendo o Ministério Público, como ‘dominus litis’, aditar a denúncia, até a sentença final, para inclusão de novos réus, ou ainda oferecer nova denúncia, a qualquer tempo (STF, HC 71.538/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15/03/1996).
5. Relativamente aos fatos descritos como crime de peculato, a denúncia expõe o fato criminoso, com suas circunstâncias, e a imputação específica aos denunciados. Preenchidos, portanto, os requisitos do art. 41 do CPP, havendo suporte probatório de autoria e materialidade suficiente para o juízo de recebimento da denúncia.
6. Denúncia recebida em parte.
(APn 382/RR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/09/2011, DJe 05/10/2011)
Em face do exposto, considerando que o Acusado, Kenoel Viana Cerqueira, deixou de exercer a função de Prefeito, o que acarreta a perda da sua prerrogativa de foro nesse Egrégio Tribunal de Justiça, determino a remessa imediata dos autos ao Juízo de Primeiro Grau (Vara Criminal da Comarca de Guaratinga/BA), por ser esta a autoridade atualmente competente para promover o andamento e o posterior julgamento da presente ação.
Notifique-se o Ministério Público.
Cumpra-se.
P.R.I.
Sala das Sessões, de de 2017.
Des. Jefferson Alves de Assis
Relator