O fazer econômico é permeado por uma plêiade de lógicas entre a troca mercantil, não mercantil e as diferentes modalidades simbólicas que reforçam e perpetuam os processos de exclusão econômica.
Por outro lado, a modalidade de Economia Solidária, em sua dimensão “não-monetária”, inscreve-se, em relação ao tema, para além da relação econômico-financeira, numa perspectiva sociológica, antropológica, filosófica e teológica.
Isto posto, tomemos o entendimento da economia, enquanto “economia plural”, na perspectiva de suas dimensões sociocultural e política, presentes nestas iniciativas, as quais, ao tempo em que conformam, também interferem na dinâmica interna da organização e, por conseguinte, da sua sustentabilidade.
Para fins pragmáticos, urge uma caracterização do binômio Economia Solidária e Sustentabilidade, a partir de um quadro categórico que permita a ultrapassagem da institucionalização da economia como um mero fenômeno financeiro.
A reflexão sobre a Economia Solidária coloca alguns marcadores que vão além da percepção da economia que restringe a economia de mercado, conforme o modo de produção capitalista, ampliando a noção e o sentido dos conceitos de Economia e do Fazer Econômico.
De acordo com o relatório de Pesquisa sobre Economia Solidária do IPEA[1], a economia solidária emerge no Brasil a partir da década de 1980, com o apoio de diversas organizações como igrejas, sindicatos, instituições de ensino e movimentos sociais, e mostra-se como alternativa aos trabalhadores que estão fora do mercado formal de trabalho ou que dele nunca participaram.
Os defensores da economia solidária defendem que ela é capaz de promover a identificação do trabalhador com o seu território, seu país, na medida em que trabalha as dimensões política, social, ambiental e econômica.
Paul Singer, por exemplo, afirma que o capitalismo, sendo o modo de produção dominante, não é capaz de abranger a totalidade das economias contemporâneas. Existem outras formas de economia que convivem na nossa sociedade, tais como: produção simples de mercadorias, concebida como unidades autônomas de produção individuais ou familiares; economia pública, que é formada por empreendimentos estatais que prestam serviços ou oferecem bens sem cobrar preço de mercado por eles; economia doméstica representando atividades produtivas e distributivas realizadas nos domicílios, visando o auto consumo dos membros; e a economia solidária formada por empreendimentos coletivos auto-gestionários de produção, de crédito, de consumo, etc.[2]
A sustentabilidade é um conceito derivado do debate em torno das questões envolvendo o meio ambiente, as quais inseriram a dimensão ambiental na agenda internacional, decorrente, sobretudo, da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972.[3]
A preocupação da ONU com o fracasso das ações iniciais em conter a crise, a fez criar, em 1983, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), e encomendar um estudo que foi apresentado em 1987 com o nome de “Nosso Futuro Comum”[4], onde aparece pela primeira oficialmente o termo Desenvolvimento Sustentável como sendo a capacidade de “atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.[5]
No relatório “Nosso Futuro Comum”, o Desenvolvimento Sustentável é visto em seu sentido mais amplo, tendo como alguns dos objetivos encorajar um estado de harmonia entre os seres humanos, incluindo certa coesão social, e a harmonia entre o homem e a natureza.
O relatório “Nosso Futuro Comum”, também chamado de “Relatório Brundtland”, faz parte de uma série de iniciativas, anteriores à Agenda 21, as quais reafirmam uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, e que ressaltam os
riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas.
O Relatório aponta para a incompatibilidade entre Desenvolvimento Sustentável e os padrões de produção e consumo, trazendo à tona mais uma vez a necessidade de uma nova relação “ser humano-meio ambiente”. Ao mesmo tempo, esse modelo não sugere a estagnação do crescimento econômico, mas sim essa conciliação com as questões ambientais e sociais.
O binômio Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável (ou Sustentabilidade), tornou-se um tema importante para cientistas políticos, sociólogos e outros cientistas sociais, mas tem deixado quase completamente de interessar os estudiosos da economia.
Griffith-Jones e Sunkel apontam que um dos motivos para essa anomalia entre os estudiosos da economia pode ter sido que a maioria dos profissionais da área econômica concentrou suas pesquisas, por um lado, nas concepções neoclássicas e neoliberais como fonte de crítica e como paradigma alternativo para o desenvolvimento.[6]
É de conhecimento de todos a integração e transnacionalização das economias durante as décadas de 1960 e 1970, e particularmente no processo de transnacionalização financeira, a qual passou a ser dominada por setores relacionados ao comércio e ao financiamento internacionais e internos, ocorrendo o correspondente reforço da ideologia do livre comércio, da economia de mercado liberal neoclássica e do monetarismo, sempre com o apoio político proporcionado pela ascensão dos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan no final dos anos de 1970.
Embora muitos países em desenvolvimento tenham obtido substancial crescimento econômico, industrialização e modernização por meio de estratégias de substituição de importações, o processo de desenvolvimento revelou graves deficiências em muitos aspectos, principalmente no que respeita aos desequilíbrios externos e à incapacidade do processo de solucionar os problemas de pobreza, do desemprego, das desigualdades e da degradação ambiental. O entendimento de tais noções perfazem o conceito de Sustentabilidade!
A Sustentabilidade é um conjunto de práticas econômicas, financeiras e administrativas que visam o desenvolvimento econômico de um País, Estado, Município, Bairro ou Empresa, preservando o meio ambiente e garantindo a manutenção dos recursos naturais para as futuras gerações.
Ou seja, a Sustentabilidade corresponde a um novo jeito de viver e de produzir, que leva em consideração os efeitos sobre o meio ambiente e as comunidades, e não apenas a evolução e o progresso econômico.
A fim de que haja continuidade do crescimento tanto dos países, quanto das instituições e organizações, a economia e a sociedade devem proceder a um planejamento estratégico com base no tripé do Desenvolvimento Sustentável.
Para tanto, faz-se necessário avaliar os impactos sociais, ambientais e econômicos antes de construir algo novo ou tomar uma decisão relevante, seja em nível mundial, nacional, estadual, municipal ou mesmo dentro de uma empresa.
Compreendendo este quadro categórico, o NeuroBanco – Banco de Desenvolvimento Comunitário –, criou a Diretoria de Economia Solidária, a qual tem como escopo gerir os Fundos Solidários e Criativos, na proposta de estimular a realização de investimentos de impactos, conectando negócios sustentáveis com investidores e iniciativas socialmente responsáveis.
A Diretoria de Economia Solidária do NeuroBanco entende que é urgente e necessária a consolidação de instituições locais (públicas, mas também privadas) sólidas, democráticas, responsáveis e dotadas de recursos humanos qualificados e preparados para enfrentar os novos desafios.
A estratégia desta Diretoria é o estabelecimento de um novo modelo de desenvolvimento sustentável, includente e solidário, visto que todos os envolvidos se beneficiam dos seus resultados econômicos, sociais, políticos e culturais.
Em primeiro lugar, assumimos que a Economia Solidária leva em consideração o Desenvolvimento Sustentável, o qual é formulado baseando-se numa crítica de fundo contra a estrita racionalidade econômica que inspirou o pensamento e as políticas de desenvolvimento dominantes.
Em segundo lugar, uma vez que o binômio Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável é contrário ao desenvolvimento que parte “de cima para baixo”, propõe-se um desenvolvimento que parta “de baixo para cima”.
Em terceiro lugar, este binômio tem escala local, privilegiada, tanto como objeto de ação social como de reflexão.
Em quarto lugar, a Economia Solidária mostra-se céptica no que se refere tanto a um regime econômico centralizado, controlado pelo Estado, como em relação a uma economia centrada exclusivamente em formas de produção capitalista.
Em quinto lugar, a Diretoria de Economiacolaborará para a criação deestratégias econômicas, políticas, ambientais e sociais autônomas e sustentáveis.
Valorizar a diversidade, a relação do ser humano com o meio ambiente do qual é parte, oferecendo alternativas para uma construção social de Desenvolvimento Sustentável, desmistificando as técnicas, com o objetivo de democratizar a ciência e a tecnologia para o pleno exercício da cidadania, fomentando, desta forma o desenvolvimento local justo, solidário e sustentável.
[1] Relatório de Pesquisa Projeto Conselhos Nacionais: perfil e atuação dos conselheiros. https://ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/relatoriosconselhos/120719_relatorio_economia_solidaria.pdf. Acessado em 16 de julho de 2021.
[2] SINGER, P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.
[3] SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Gramond, 2004.
[4] https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf. Acessado em 16 de julho de 2021.
[5] CAPRA, Fritjof. Virando o jogo. In: As conexões ocultas. Ciência para uma vida sustentável. Cultrix: São Paulo, 2003.
[6] GRIFFITH-JONES, Stephany; SUNKEL, Osvaldo. O fim de uma ilusão. As crises da dívida e do desenvolvimento na América Latina. Editora Brasiliense: São Paulo – SP, 1990.